Tuesday, December 4, 2012

Dom Pedro II e eu



Sempre fiquei um pouco envergonhada e nunca tive coragem de confessar que os livros, muitas vezes, me atraiam pela capa.

Era ver uma daquelas capas lindas, coloridas que eu corria pra eles. E depois, passar a mão nas páginas, sentir a qualidade do papel me dava outras informações. Como podem publicar Cervantes em papel de jornal? Não, ele não merece isto.

A próxima ação era sentir o cheiro do livro. Sempre fazia isto discretamente, tentando parecer míope demais para ter que ler tão de perto que meu nariz encostasse nas páginas.

Ah, como é bom o cheiro do papel novo. Papel branquinho tem um cheiro diferente do papel amarelado. Mas o livro usado também tem cheiro. Num sebo você consegue saber, até, quantas e quais pessoas se interessaram por aquele livro. Sim! As vezes, o cheiro da estante impregnado nas páginas nos diz que ele passou despercebido. Talvez, atitude inconsciente do dono do sebo que não tem coragem de vender aquele exemplar. As vezes você sabe que um senhor que adora charutos o andou folheando ou uma senhora que adora perfumes franceses.

E o barulhinho bom que ele faz quando você folheia várias páginas juntas, tentando encontrar aquela parte que você adorou e quer ler pro seu melhor amigo que também adora literatura (sim, era com você colega).

Tem coisa melhor que passar a mão num livro? Sentir o belo trabalho de encadernação que fizeram no seu exemplar do Monteiro Lobato que você ganhou da sua bisavó. Sentir as novas modernas texturas que até brilham de longe ou parecem que estão saltando em sua direção.

E até o prazer gustativo. Sim, mas eu tinha vergonha deste também. Vão me internar se eu disser que adoro virar as folhas com o dedo ligeiramente úmido para sentir o sabor do livro.

Lógico que eu teria morrido se estivesse tentando ler algum livro proibido alguns séculos atrás. Mas o prazer degustativo também é metafórico, claro. Tem livros que a gente quer devorar em horas e não tem coragem de largá-lo nem pra atender o telefone. "Quem é o infeliz que quer falar comigo numa hora dessas?"

Mas aí, lendo eu um livro bem básico que "cabulei" na faculdade (Raízes do Brasil, veja página 163) descubro uma passagem que fala sobre Dom Pedro II:

"O imperador (...) dizia gostar dos livros com satisfação dos cinco sentidos, isto é:
visual, pela impressão exterior ou aspecto do livro;
tátil, ao manusear-lhe a maciez ou aspereza das páginas;
auditivo, pelo brando crepitar ao folheá-lo;
olfativo, pelo cheiro pronunciado de seu papel impresso ou fino couro da encadernação;
gustativo, isto é, o sabor intelectual do livro, ou mesmo físico, ao umedecer-lhe ligeiramente as pontas das folhas para virá-las"

Que alívio! Depois de 33 anos eu assumo as minhas loucuras, pois se algum Alienista tentar me internar vai ter que levar um monte de outras pessoas juntas (inclusive a tumba de Dom Pedro II).

Pelo menos eu não sou uma bibliotecária parecida com Richard de Bury que, em seu Philobiblon, mui interessante tratado sobre o amor aos livros, redigiu um regulamento durissímo sobre empréstimo. Ok, amar é uma coisa, devotar é outra.

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