Friday, January 10, 2014

Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (para crianças)


Recontada e ilustrada por Camilla Juliana Gonzalez.



Eu gostaria de contar uma história real que escutei do meu amigo Cide Hamete. Ele me contou sobre um garoto chamado Alonso que vivia numa vila em La Mancha, uma região da Espanha, em 1605. Naquela época as coisas estavam muito difícies para os espanhóis: não havia muita comida e o rei, Felipe III, estava em guerra contra outros monarcas da Europa.




Alonso tinha uma imaginação e tanto. Ele adorava ler, mas não gostava de ler qualquer livro. Ele gostava de ler sobre cavaleiros, reis e castelos.


A história começa no quintal de Alonso, assim:



- Alonso, venha brincar aqui fora, meu bem. O dia esta tão bonito! Chamou a mãe dele, Dona Antônia, que estava estendendo roupas. - Vou precisar de ajuda para alimentar os animais. Venha aqui, por favor.


- Estou ocupado. Respondeu, o garoto, do quarto sem tirar os olhos de um enorme livro de capa dura.


- Largue seu livro e venha alimentar os porcos. Disse Dona Antônia. - Sancho vai chegar a qualquer hora. Você não quer brincar com ele?


Dito e feito! Brincar com Sancho: sua atividade favorita. Sancho era seu melhor amigo; eles se conheciam desde muito pequenos.


- O que você estava lendo? Perguntou a mãe dele.


- Ah, mãe! É a melhor história do mundo. Eu estava lutando contra um dragão para salvar camponeses de dentro de uma caverna. Alonso estava tão distraído que deu milho aos porcos e cevada para as galinhas.


- Você não estava lutando contra um dragão. O cavaleiro na sua história é que estava. Nossa, olha o que você fez. Tenho que buscar mais comida para os animais.




Os porcos ficaram bem felizes com a surpresa que receberam. Alonso tentou limpar sua bagunça da melhor maneira possível, usando uma vassoura. Contuto, ao invés de limpar os grãos, ele usou a vassoura como um cavalinho de faz de conta.


- Vou te chamar de Rocinante! Ele disse. Ele encontrou uma bacia de cobre para usar como elmo. - Olha, encontrei o elmo do Cavaleiro de Ouro.


Então Sancho Pança chegou carregando uma cesta de pães, queijos e azeitonas para entregar à Dona Antônia. Ele era um menino baixinho e gorducho, com bochechas rechonchudas e olhos grandes.




- Ola, Alonso. Eu trouxe as compras que sua mãe pediu. Do que você esta brincando? Sancho perguntou.


- Eu não estou brincando. Eu sou um cavaleiro se preparando para sair em aventuras. Declarou Alonso. - E meu nome é Dom Quixote.”


Sancho sabia que quando seu amigo fazia de conta ser um cavaleiro não havia muito o que fazer, a não ser fazer de conta junto. Sancho disse: - Sinto muito, Senhor. Achei que você fosse outra pessoa. Você aceitaria essa cesta de guloseimas como um pedido de desculpas?


- Sim, desculpas aceitas. Mas você tem que me acompanhar como escudeiro. Ah, vejo que você já trouxe minha espada. Dom Quixote disse apontando para uma baguete de pão.


- Não sei se sua mãe vai gostar da idéia de você sair do quintal. Especialmente para ser um cavaleiro. Você não acabou de sarar de uma gripe? Perguntou Sancho.


- Quando eu me tornar um cavaleiro famoso, te farei governador de uma ilha. Continuou Dom Quixote.


- Uma ilha só pra mim? Excelente! Muito obrigado. Falou Sancho em voz alta.




- Vamos indo, Sancho Pança. Ajude-me com minha armadura, por favor. Dom Quixote disse, enquanto colocava a jaqueta de seu pai. - E use a Dapple para cavalgar; ela é uma burra bem dócil. Ele continuou, dando para o Sancho uma vassoura menor.


- Onde estamos indo? Perguntou Sancho.


- Vamos em direção a cidade de Villanueva, Sancho. Algo me diz que encontraremos a aventura perfeita lá.


- Devemos usar a estrada Real. É mais seguro viajar por ela do que pelas estradas menores. Adicionou Sancho.


Os dois amigos saíram pela estrada Real na direção sul. Cem passos depois de saírem, Dom Quixote exclamou: - Veja, Sancho Pança, minha linda Dulcinéia esta andando no jardim, aproveitando o sol quente.




- Quem é Dulcinéia?” perguntou Sancho, vendo apenas uma camponesa colelendo trigo. É minha dama de Tolboso. Por quê? Ela não é a menina mais bonita do mundo? Dom Quixote exclamou.


A próxima parada em suas aventuras foi numa pousada.


- Veja as quatro torres do castelo, falou Dom Quixote. Vamos atravessar a ponte levadiça cuidadosamente. Não é demais, Sancho?


Sancho respondeu, sentando na calçada: - Não, não é. Aquilo é somente uma pousada e não é um lugar para crianças. Mas Alonso fez de conta que seu escudeiro estava levando os cavalos para descansar no estábulo.

Dom Quixote entrou na pousada esperando encontrar o rei. O rei, na verdade, era o dono do lugar. Ele estava tomando café da manhã com os hospédes.


- Quem são os pais desse moleque? Disse ele, batendo seu punho tão forte na mesa que derrubou uma cesta de bisnaguinhas fresquinhas.


Sancho tentou puxar Dom Quixote da copa, mas o dono da pousada foi mais rápido e agarrou o braço do menino.


- Você não vai sair daqui sem sua mãe ou pai, garoto.



Então um garoto mais velho chamado Nicolas, ajudante do barbeiro, falou:


Eu conheço esse menino, Senhor. Eu posso levá-lo de volta para casa.
Quando eles chegaram, Dona Antônia estava super preocupada.


- Você não deve sair de casa e perambular pelas ruas. Você está de castigo: sem livros hoje a noite.


Mais tarde, Sancho foi até o quarto de seu amigo em busca de uma boa história.


- Oi, Alonso. Você pode me ler uma história?


- Sancho Pança, meu bom escudeiro. Um mágico desapareceu com meus livros. Devemos sair em busca de novas aventuras. Dom Quixote disse.




- Ah, eu não acho não. Sua mãe acabou de te avisar… Comentou Sancho.


Dom Quixote não queria saber de ficar em casa. Eles escaparam pela janela e correram pelo quintal. Dessa vez eles seguiram a estrada real na direção norte.


O plano de Sancho Pança era caminhar em círculos, esperando que Dom Quixote não percebesse. Porém, assim que começaram a caminhar, viram duas nuvens de poeira movendo-se no horizonte.




- Veja, Sancho. Gritou Dom Quixote. - Dois batalhões correndo para se enfrentar. Daqui consigo ver o Cavaleiro Prateado a direita e o Cavaleiro Negro a esquerda.


Dom Quixote correu o mais rápido possível em direção a poeira. Sancho Pança ficou para trás gritando: - São rebanhos de ovelhas!


Os pobres animais ficaram assustados e confusos. Eles tentavam escapar correndo para todas as direções. Dois pastores corriam atrás de Dom Quixote gritando para que ele parasse. Sancho também estava correndo atrás de seu amigo. - Pare. Ele gritou, colocando as mãos na cabeça. A única coisa que realmente parou o cavaleiro foram as ovelhas. Durante sua escapada desvairada, uma delas derrubou Dom Quixote.




Mais uma vez Nicolas salvou Dom Quixote de uma bela encrenca. Ele desceu o morro e ofereceu aos pastores algumas moedas de ouro. Ele voltou até onde o menino estava, colocou-o em seu ombro e começou a caminhar em direção à vila.


- Por que você esta me carregando, barbeiro? Dom Quixote quis saber, sentindo-se muito ofendido.


- Eu realmente quero te levar pra casa. Respondeu Nicolas baixando suas sobrancelhas e batendo os pés com força.


Quando chegaram em casa, Dona Antônia estava chorando.


- Eu falei para você não sair de casa. Hoje você vai pra cama sem janta.




Naquela noite Dom Quixote sonhou que estava dentro de uma caverna, lutando contra um dragão.

Parecia que ele havia dormido por séculos quando acordou, mas ainda era de madrugada. Ele escutou algo batendo gentilmente em sua janela. Era Sancho Pança: seu fiel escudeiro. Dom Quixote abriu a janela do quarto para seu amigo entrar.






- Você sabia que já somos famosos? Todas as crianças da vila estão fazendo de conta que são Dom Quixote e Sancho Pança.


- Precisamos de mais aventuras, Sancho. Disse Dom Quixote.


- Não, nós não precisamos de mais nenhuma aventura. Além disso, ainda é noite. Eu não quero ir para lugar algum no escuro. Balbuciou Sancho, balançando sua cabeça.


- Agora é a melhor hora para sair, meu amigo. O mágico esta dormindo, o encantador esta longe. Vamos! Dom Quixote mandou, pulando de sua cama.


O cavaleiro arrastou Sancho consigo. Eles andaram e andaram por muitos quilômetros até chegar na cidade de Toledo.


Dom Quixote não podia acreditar no que seus olhos viram no vale. Eram doze gigantes parados em formação, mexendo seus braços como se preparando para uma batalha.





- Procure por proteção, Sancho. Eles vão atirar pedras em nós. Exclamou Dom Quixote.


- Quem? Perguntou Sancho coçando sua cabeça.


- Como você não consegue ver os gigantes? Bradou Dom Quixote abrindo seus braços.


Eu vejo apenas moinhos de vento, respondeu Sancho, aliviado. 

Entretanto, ele não teve nem chance de dizer outra palavra. Dom Quixote via o que queria, não o que era real. Ele correu morro abaixo, empunhando sua espada de pão para o alto. Sancho não entendia o que estava acontecendo.




Uma das pás do moinho agarrou Dom Quixote pela sua jaqueta e ele foi atirado para cima, gritando para o gigante: - Eu vou fazer picadinho de você. O cavaleiro girou ainda duas vezes no moinho antes de se espatifar no chão.


Sancho correu para ajudar seu amigo, mas Dom Quixote não parecia machucado.


- Você não pode lutar contra moinhos de vento. Sancho gritou, bravo.


- Estou me sentindo muito mal, Sancho Pança. Dom Quixote murmurou. - Aquele gigante me bateu feio. Mas eu tenho uma receita para um chá mágico que vai me curar.


Sancho Pança tentou convencer Dom Quixote a ir pra casa.


- Que tal a gente voltar pra casa, tomar um chocolate quente e comer bolo de fubá?


O cavaleiro parecia ofendido e respondeu: - De jeito nenhum! Vá buscar os ingredientes para meu chá. Ele lamentou.


- E que tal bolo de chocolate? Sancho tentou.



- Vá logo de uma vez. Gritou Dom Quixote.


O aborrecido Sancho encontrou algumas folhas de menta para fazer o chá. E então misturou umas migalhas de pão, da espada de Dom Quixote, e algumas amoras. Ele deu o chá para Dom Quixote, dizendo que não só era mágico como também delicioso.


- Muito obrigado, meu escudeiro. Já estou me sentindo muito melhor. Suspirou o cavaleiro. Vamos continuar andando.


Eles estavam longe de casa e Sancho já estava cansado daquela brincadeira que não tinha mais graça. A imaginação de Alonso era impossível de se acompanhar.


O problema foi que o chá causou uma enorme dor de barriga em Dom Quixote.




- Sancho, eu preciso, mas preciso mesmo, usar o banheiro. Ele disse segurando suas calças. Onde fica o castelo mais próximo. Ele perguntou.


- O castelo mais próximo, seria o seu mesmo. Sancho respondeu. É voltar pra casa ou fazer o que você tem que fazer atrás daquela moitinha ali.


- Sancho, eu não posso fazer cocô atrás de uma moita! Você está doido? Exclamou Dom Quixote super ofendido. Muito bem, então. Vamos correr de volta pra casa. Ele exigiu.


Poucos passos depois, porque estava escuro e começando a chover, Dom Quixote escorregou em umas folhas molhadas e rolou para dentro de um buraco. O sortudo do Sancho, que estava atrás do cavaleiro, não caiu junto por um triz.






Quem você acha que Sancho foi procurar? Nicolas, é claro. Porém, ele trouxe Dona Antônia junto. Enquanto tentavam descobrir uma maneira de tirar o garoto de dentro do buraco, Dom Quixote se imaginava dentro de uma caverna, lutando contra um dragão, igualzinho ao livro que ele lia no começo dessa história.


Quando eles finalmente tiraram o menino do buraco, ele veio coberto de lama, com folhas e varetas na roupa e no cabelo. Seu rosto estava tão sujo que Dona Antônia apertou os olhos para ter certeza que era Alonso. O cheiro estava insuportável, como você pode imaginar.




Dona Antônia sempre amou a criatividade de Alonso, mas ela sabia que era hora dele usar sua imaginação de outra maneira.


Na manhã seguinte, Dona Antônia decidiu brincar no jardim com Alonso e Sancho. Ela fez de conta que era a Rainha de Castilha. Alonso era Dom Quixote e Sancho era o escudeiro mais uma vez. Então, ela disse: - Alonso, vamos parar de brincar um pouquinho.


- O que aconteceu, mamãe? Ele perguntou.


- Alonso, eu adoro sua imaginação. Ninguém que eu conheço cria histórias como você. Então, eu estava pensando... Que tal você escrever suas próprias histórias?”


- Posso fazer isso, mãe? Ele pulava de felicidade.


- É claro que você pode. Você pode colocar no papel todas as aventuras que você imagina. Você pode criar seus próprios cavaleiros, escudeiros e reis. Você pode dar seu nome pra eles. Mas, lembre-se: nem tudo o que você imaginar pode ser feito de verdade. Ela continuou.

- Eu sei, mãe. De verdade. Posso entrar e comecar a trabalhar nas minhas histórias? Ele perguntou.

- É claro, meu bem. Dona Antônia respondeu.

E foi assim que Alonso escreveu “As Aventuras do Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha”.







FIM

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